Sunday 13 February 2011

Agreed language


A história do Ministro da Índia nas Nações Unidas ter lido por engano o discurso do Ministro português e só notar que estava a ler o discurso de outro quando falou nas posições da União Europeia, recordou-me a primeira vez que, entusiasmado, participei numa reunião do Conselho Económico e Social da ONU em Nova Iorque.

Lembro-me bem do choque que foi a primeira vez que ouvi a expressão "agreed language": para ultrapassar um bloqueio numa resolução sobre juventude, o Delegado do Irão lembrou que havia "agreed language" na Declaração Final da Conferência de Pequim sobre as Mulheres e que bastava substituír "mulheres" por "juventude" para que tudo estivesse bem. Assim se fez e o Delegado do Irão foi considerado um excelente diplomata onusiano.

Uma vez que as Nações Unidas procuram resolver as questões por consenso, quando há algum assunto onde o acordo é complicado procura-se algum texto já acordado que possa ser utilizado para ultrapassar a dificuldade. Naturalmente, quanto mais difícil for a matéria em debate, mais se utilizará a "agreed language" até ao extremo de muitos dos textos da ONU serem semelhantes.

Na altura, fui confiar o meu desgosto à Peggy Kelley, uma alta-funcionária da Organização de origem norte-americana, que me disse que o papel da ONU é tentar encontrar soluções para os problemas do Mundo e se a "agreed language" é a forma de quase 200 Países com histórias, tradições, sistemas políticos, religiões e objectivos diferentes se entenderem sobre algum tema mais complicado, que assim seja.

Há quem diga que as Nações Unidas são ineficazes e que os seus textos não representam avanços no progresso humano, e muitas vezes assim é. Mas basta lembrar que foi com base nas Nações Unidas e nos seus textos obtidos com recurso à "agreed language" que Timor-Leste se tornou independente ou que há um texto codificado que proclama os Direitos Universais de todos os seres humanos, já para não falar nas milhares de pessoas que, por este Mundo fora e sob a bandeira da ONU, procuram ajudar os que mais sofrem.

Afinal, se o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia se sente bem a fazer um discurso escrito para o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o ideal das Nações Unidas não será tão utópico como isso.

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