Thursday 6 May 2010

As Eleições, o Estado, o Cidadão e a Confiança


Hoje fui, pela terceira vez, votar em eleições locais no Reino Unido. E, como das outras vezes, tudo o que foi necessário foi apresentar na mesa de voto um postal que a Comissão Eleitoral tinha mandado para casa, sem ser necessário mostrar qualquer identificação. Acresce que na cabine de voto está um lápis com o qual excercemos o nosso direito/dever.

A primeira vez que fui votar - em Bristol - desconhecendo essa coisa maravilhosa que é a confiança que o Estado deposita nos seus cidadãos, tentei mostrar o passaporte ao presidente da mesa que, olhando para mim com um ar confuso, exclamou não lhe passar pela cabeça que eu não fosse quem eu dizia ser.

No nosso portugalinho, no entanto, a relação entre o Estado e o cidadão, baseia-se na certeza do primeiro que o cidadão perante um dos seus funcionários é um ser patológico que, à primeira oportunidade, mentirá sem pudor nem vergonha, o que leva à tremenda burocracia a que somos sujeitos diariamente. Igual calvário atravessam os Serviços Públicos quando lidam uns com os outros. Nisso, ao menos, o Estado é igualitário. Para ele, todos mentem.

Outros Países há, como o Reino Unido, onde a lógica da relação do Estado com os cidadãos é a oposta: a presunção é a de que o cidadão está a dizer a verdade, pelo que não são necessárias toneladas de papeis de várias cores, vários formatos e com vários destinos para confirmar o que alguém diz sobre si mesmo. E, portanto, não é necessário perdermos tempo, energia, dinheiro e a paciência a provar que somos quem dizemos que somos, que moramos onde dizemos que moramos e fazemos o que dizemos fazer. É claro que nos casos em que alguém é apanhado a mentir, a consequência é severa pois um sistema que se baseia na confiança só pode funcionar se o pecador for punido e o inocente deixado em paz. Mas a presunção é que o funcionário público está perante alguém que não mente.

É certo que o actual Governo tem avançado significativamente no caminho da simplificação da nossa relação individual com o Estado e medidas como o Simplex ou o Cartão do Cidadão procuram diminuir o tremendo desperdício que representa a burocracia que nos é imposta. Mas não é menos certo que mesmo o Simplex tem por base a filosofia que preside ao modelo que hoje temos que suportar: o cidadão mente, há, pois, que controlar esse mentiroso. Mais simplex seriam as nossas vidas se o Estado se convencesse que alguns mentirão mas muitos não o fazem e que é um desperdício de recursos assumir o oposto.

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